Resenha: Dreamgirls – Em Busca de um Sonho: brilho, talento e as contradições do sucesso

Por Rafael Toledo

Estreando pela primeira vez no Brasil, Dreamgirls – Em Busca de um Sonho chega ao palco do Teatro Santander como uma das produções mais aguardadas do teatro musical em 2025. Inspirado em um período emblemático da história da música norte-americana, especialmente na ascensão de grupos femininos como as The Supremes e na engrenagem da lendária Motown, o espetáculo combina entretenimento de alto nível com reflexões contundentes sobre poder, racismo, relações humanas e o preço da fama.

Créditos: Rafael Toledo

Embora seja uma obra de ficção, Dreamgirls dialoga diretamente com acontecimentos reais da indústria fonográfica dos anos 1960 e 1970. A narrativa acompanha a trajetória das The Dreams, trio formado por Effie White, Deena Jones e Lorrell Robinson, jovens cantoras que iniciam suas carreiras em concursos amadores até terem seus destinos transformados ao cruzarem o caminho de Curtis Taylor Jr., um produtor musical ambicioso e visionário. Sob sua tutela, as garotas passam de backing vocals de um cantor em ascensão a estrelas do mercado fonográfico, ainda que esse sucesso venha acompanhado de perdas profundas.

A montagem brasileira acerta ao concentrar sua força dramática nas três protagonistas. Letícia Soares (Effie White), Samantha Schmütz (Lorrell Robinson) e Laura Castro (Deena Jones) demonstram grande química em cena, sustentando com segurança a complexa rede de afetos, disputas e ressentimentos que se instala entre as personagens à medida que o sucesso cresce. A história deixa claro que, no showbiz, talento nem sempre anda lado a lado com justiça, e que decisões guiadas pelo mercado podem provocar rachaduras irreversíveis em relações pessoais.

O espetáculo, produzido por Barbara Guerra e dirigido por Gustavo Barchilon, revela-se tecnicamente muito bem ensaiado, com transições fluidas, coreografias precisas e um elenco afinado, que demonstra domínio tanto vocal quanto cênico. No entanto, duas performances se destacam de forma especial. A primeira é de Letícia Soares, que encerra o primeiro ato com uma interpretação absolutamente visceral. Já reconhecida por sua potência vocal, a atriz vai além da técnica e entrega uma atuação carregada de emoção, vulnerabilidade e fúria contida. O resultado é arrebatador: aplausos em pé e lágrimas na plateia confirmam a força desse momento, que se consolida como um dos pontos altos do musical.

O segundo grande destaque surge em um dueto entre Effie e Deena, interpretadas por Letícia Soares e Laura Castro, respectivamente. A cena marca um momento de reconciliação entre as personagens e é conduzida com delicadeza e maturidade dramática. As duas atrizes demonstram enorme sintonia vocal e emocional, reforçando que Dreamgirls não é apenas um espetáculo de grandes números, mas também uma obra que sabe explorar o silêncio, o olhar e a emoção contida. Esse encontro no palco confirma o musical como uma das boas surpresas do segundo semestre no cenário brasileiro de grandes produções.

Entre os personagens masculinos, Toni Garrido constrói um Curtis Taylor Jr. convincente, entregando um antagonista que não recorre a caricaturas fáceis. Seu produtor é frio, calculista e sedutor na mesma medida, uma figura que representa com clareza a lógica impessoal da indústria. Já Reynaldo Machado, como Jimmy Early, rouba diversas cenas com uma atuação carismática e energética. Sua presença cênica arranca risos da plateia, mas não se limita ao humor: o ator impressiona também pela qualidade vocal e pelo domínio de palco, equilibrando leveza e intensidade.

Visualmente, a produção também merece elogios. Os figurinos são um espetáculo à parte, carregados de brilho, glamour e referências estéticas que evocam com precisão a era de ouro da soul music. Cada troca de figurino acompanha a evolução das personagens e reforça o contraste entre o sucesso aparente e os conflitos internos que se intensificam ao longo da trama.

Mais do que contar uma história sobre fama, Dreamgirls convida o público à reflexão. O musical expõe como talento, poder e relações humanas podem conduzir algumas carreiras à apoteose, enquanto outras são interrompidas ou apagadas. Ao abordar de forma direta o racismo estrutural na indústria do entretenimento, um dos pilares centrais da narrativa, o espetáculo mantém sua relevância mesmo décadas após sua estreia original, dialogando com questões ainda urgentes na sociedade contemporânea.

Dreamgirls – Em Busca de um Sonho é, portanto, uma superprodução que alia impacto visual, excelência artística e profundidade temática. Uma montagem que honra o legado da Broadway, mas que encontra identidade própria no palco brasileiro, emocionando e provocando o público do início ao fim.


Agradecemos à produção pelo convite para a sessão VIP e à Midiorama pelo convite para a coletiva de imprensa.


Serviço

Dreamgirls – Em Busca de um Sonho

Local: Teatro Santander – São Paulo

Temporada: a partir de 31 de julho de 2025


Esse conteúdo faz parte do projeto Mona Cultural e conta com o apoio de Dicas do Dia, CareUp e Dr. Fábio Henrique

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