Resenha crítica: “O Casal Mais Sexy da América” – Uma comédia elegante sobre o tempo, o amor e o espelho da indústria do entretenimento
Por Caroline Soares
Depois de uma temporada de sucesso em São Paulo, “O Casal Mais Sexy da América” continua sua turnê pelo Brasil chega ao Rio de Janeiro confirmando-se como um dos grandes acertos teatrais de 2025. Com texto do premiado roteirista norte-americano Ken Levine, direção precisa de Tadeu Aguiar e um elenco afiadíssimo liderado por Vera Fischer, Leonardo Franco e Vitor Thiré, a comédia se revela muito mais do que uma simples reunião entre dois ex-amantes. É, na verdade, uma reflexão espirituosa e comovente sobre o envelhecimento, o amor e o cruel mecanismo da fama em tempos de descartabilidade.
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| Vera Fischer, Leonardo Franco e Vitor Thiré (de chapéu vermelho) Créditos - Instagram da peça "O Casal Mais Sexy da América" |
A trama parte de um reencontro aparentemente banal. Susan White (Vera Fischer) e Robert McAllister (Leonardo Franco), dois atores que, décadas atrás, formaram o casal mais desejado da televisão americana, voltam a se ver após 30 anos, por ocasião do funeral de um antigo colega de elenco. Ambos são veteranos talentosos, marcados por prêmios e frustrações, que tentam se manter relevantes em uma indústria que parece ter esquecido de quem ajudou a construí-la. Presos em um quarto de hotel, eles iniciam uma daquelas conversas que começam com ironia e terminam em confissão, uma “DR” deliciosa, que mistura mágoa, nostalgia, bom humor, desejo e autocrítica.
O texto de Ken Levine, conhecido por seu trabalho em séries como Cheers e MASH, brilha na sua capacidade de transformar um diálogo aparentemente leve em uma crítica contundente. O público ri o tempo todo, mas sai do teatro tocado por temas como etarismo, ética profissional, igualdade de gênero e o papel da mulher madura no meio artístico. Sob a direção de Tadeu Aguiar, o espetáculo encontra o equilíbrio ideal entre humor e sensibilidade, sem jamais resvalar no melodrama ou na caricatura.
E é impossível falar de “O Casal Mais Sexy da América” sem destacar Vera Fischer, que domina o palco com a segurança e o carisma de quem sabe que o tempo só acrescenta camadas à boa arte. Sua Susan White é uma mulher contraditória, ao mesmo tempo vaidosa e vulnerável, divertida e melancólica, e Fischer entrega cada nuance com naturalidade e potência. Há algo de autobiográfico em sua presença: uma atriz consagrada enfrentando o preconceito de uma indústria que insiste em associar valor à juventude. E talvez seja exatamente por isso que sua atuação emociona tanto.
Leonardo Franco é o contraponto ideal. Seu Robert é um homem dividido entre o orgulho e o arrependimento, que tenta esconder o medo do esquecimento sob um verniz de ironia. Juntos, Fischer e Franco exibem uma química irresistível e é nesse embate amoroso e profissional que a peça atinge seus melhores momentos. O terceiro elemento em cena, Vitor Thiré, dá vida ao “boy” do hotel, um personagem que, embora cômico, funciona como um espelho da nova geração. Ele entra e sai do quarto interrompendo o casal com tiradas inteligentes e observa com certo espanto o drama existencial daqueles que, um dia, foram ídolos absolutos.
A direção de Aguiar é elegante e dinâmica. Ele aposta em um ritmo fluido, em que as transições entre o humor e a emoção se dão de forma orgânica. O texto nunca se arrasta; ao contrário, mantém o público envolvido durante os 90 minutos de duração. A cenografia de Natália Lana reproduz o quarto de hotel com sobriedade e sofisticação, enquanto a iluminação de Sergio Martins cria atmosferas sutis que acompanham as mudanças de tom da narrativa. Os figurinos de Ney Madeira e Dani Vidal são igualmente precisos, especialmente os de Fischer, que traduzem a vaidade e o brilho de uma estrela que se recusa a apagar.
Há, na montagem brasileira, um respeito visível ao texto original, mas também uma adaptação sensível à realidade nacional. O público se reconhece nas piadas, nas frustrações e nas ironias. “O Casal Mais Sexy da América” fala sobre o show business, mas poderia muito bem falar sobre qualquer profissão em que o tempo cobra seu preço e a vaidade esconde feridas. Ao tratar de temas como assédio, machismo e a busca por relevância em um mundo que idolatra a juventude, a peça adquire uma atualidade surpreendente.
Outro mérito da encenação é não transformar seus personagens em vítimas. Susan e Robert são seres complexos, que erraram e acertaram, que amaram e se traíram, mas que continuam tentando compreender quem são e o que ainda têm a oferecer. Nesse sentido, “O Casal Mais Sexy da América” é menos uma comédia romântica e mais um ensaio sobre a segunda chance, seja na vida, no amor ou na arte.
A plateia ri, torce e se emociona com esses dois veteranos tentando reviver o brilho perdido e talvez seja essa a maior vitória do espetáculo: mostrar que o verdadeiro talento não envelhece. A risada é o disfarce perfeito para uma reflexão profunda sobre o tempo, a vaidade e o desejo de permanecer visto.
Depois de temporadas em São Paulo e agora em cartaz no Rio de Janeiro, “O Casal Mais Sexy da América” reafirma Vera Fischer como uma das grandes damas do teatro brasileiro. Com uma direção inspirada e um elenco afinado, a peça confirma que, sim, é possível fazer humor inteligente e humano, capaz de divertir e provocar ao mesmo tempo.
No fim, saímos do teatro com uma certeza: o casal mais sexy da América pode até ter envelhecido, mas continua absolutamente encantador.
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Serviço:
O Casal Mais Sexy da América
Em cartaz de 7 a 23 de novembro, no Teatro Clara Nunes, Rio de Janeiro.
Sextas e sábados às 20h, domingos às 19h.
Classificação: 14 anos | Duração: 90 min.
Esse conteúdo faz parte do projeto Mona Cultural e conta com o apoio de Dicas do Dia, CareUp e Dr. Fábio Henrique

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